sábado, 6 de julho de 2013

O ELOGIO DA TRISTEZA

Os familiares de um paciente estavam a caminho do hospital. Às vezes, tento imaginar quais são os pensamentos dos familiares antes de serem notificados do quadro clínico do paciente. Estão muito ansiosos?? Muito esperançosos?? Com uma euforia melancólica??

O paciente era um senhor com 78 anos, o qual já não falava, não andava e se alimentava por sonda. Era um processo de evolução natural da doença de Alzheimer. Mas nas últimas semanas a saúde desse paciente se agravou com um quadro infeccioso pulmonar sombrio.

Estavam presentes duas mulheres. Uma mais velha, magra e alta, de cabelos bem curtos e pretos. Nomeava-se a cuidadora desse senhor há três meses e foi a responsável por trazê-lo do Nordeste para morar com ela. A outra era mais nova, de estatura mediana e de cabelos longos lisos e também pretos. Era a sobrinha do paciente.

Estávamos os três frente a frente. Nunca nos vimos e, de repente, discutíamos algo tão importante na vida delas. Elas ansiosas, com olhos esbugalhados e atentos. Dava para sentir a passagem de afeto que dedicavam àquele senhor apenas pela maneira como me olhavam. Carregavam no olhar uma simplicidade perdida na maioria das pessoas que vivem deste lado de cá do Brasil, o "país" Sul-Sudeste. Mas a conversa chegou ao ponto máximo quando enfatizei a situação danosa de saúde do paciente. Estabeleci uma verdade e uma comunicação delicada, porém não omissa. O paciente evoluia de modo não satisfatório, era um paciente numa situação de saúde grave e poderia evoluir à óbito. Pra mim, esse momento é o clímax da minha maior violência. Uma violência insuportável, em que se cria em mim o meu maior conflito.



A cuidadora me escutou atenciosamente. Não me questionou em nenhum momento. E, de repente, começou um choro contido, cabisbaixa e as lágrimas tentando diminuir a dor insuportável de quem recebe uma notícia difícil.

A verdade tem dessas e pode destruir toda a esperança ao decorrer sobre um prognóstico desfavorável. Mas não me sinto no direito em portar o destino de um ser humano. Não me sinto confortável nessa posição. Mas oras, sou médico, não sou? Não cabe a mim transmitir também notícias conflituosas??

Não me sinto cômodo em transmitir notícias fúnebres, como se estivesse enterrando alguém por antecipação. Não é essa a pretensão embutida nesse tipo de discurso.

Imediatamente me questionei e estabeleci um julgamento de mim mesmo. Será que estou a fazer tudo que está a meu alcance para este paciente??? Estou assistindo esse senhor eticamente???

Qual seria a maior potência de um médico?? Seria driblar a doença de um paciente?? Para o filósofo Gilles Deleuze, a tristeza surge quando a pessoa não consegue desenvolver e realizar sua potência. Mas quando se trata da profissão médica cria-se um imbróglio, pois nem todos os prognósticos são favoráveis ao paciente. E ao médico??? Quando um prognóstico é espinhoso ao médico?? Por que me senti expondo o velório do paciente e não apenas noticiando uma situação instável com provável risco de morte de um paciente grave??

Esse mal estar gerado pela inevitável perda. Gerado pela mão estendida, porém não alcançada. Pelo desencontro do inevitável com o desejo de ser vitorioso sempre.



Talvez o sentido decisivo disso tudo seja aprender sempre, não é? Esse imenso clichê da vida em que devemos aprender o tempo todo para não nos soterrarmos com os empecilhos da vida. Mas, honestamente, minha vontade naquele momento era abraçá-las. Foi o que fiz quebrando de certa forma um protocolo na relação médico-familiares. Durmo há dois dias inquieto, pensando nas duas mulheres. Pensando na tristeza preenchida pelo vazio em que elas estão experimentando desde então.

Um dia eu sei que estarei na posição delas. E serei o receptor da notícia de um provável falecimento de um ente querido. E eu espero que o mandante dessa informação não indiscrimine minha dor. Não será preciso me abraçar.

Enxergar além da tristeza dessas duas mulheres, apesar de uma situação fúnebre, foi o que eu precisava para não me tornar um cadáver vivo.




segunda-feira, 5 de novembro de 2012

ISTAMBUL

01 novembro: Estou, neste momento, dentro de uma aeronave indo à Milão. Esta aeronave balança mais que batedeira de bolo. E eu a observar cada detalhe desse avião com intuito de conferir se está tudo em ordem. Claro, que não sou um conhecedor sobre aviões, mas já levantei três vezes para ir ao banheiro...Portanto, podem entender o por quê da tentativa de análise estrutural do avião. Pra mim a pior parte é quando você deixa de ouvir o barulho do "motor??" (rs). Eu apenas levanto a cabeça e fico com os olhos quase a girar em 360 graus freneticamente. 

Istambul...uma experiência curiosa...Éconsiderada a quinta maior cidade do mundo e a cidade muçulmana mais moderna ou mais receptível à modernidade, como queira. E é a segunda maior cidade da Europa, atrás de Londres. Sim, Istambul tem uma parte asiática. Está no meio (Oriente médio), mas a maior parte é européia. O fato é que os turcos querem vender. Querem vender de tudo, afinal estamos diante de uma república capitalista recente.

O Idolatrado Mustafa Atatürk foi o político responsável pela proclamação da República na Turquia em 1923, trata-se, portanto, de uma democracia recente.

Os direitos humanos, aos meus olhos, parecem ser similares aos do Brasil. Estou me referindo à questão de ordem sexual ( homem/mulher). 

Usa-se burca ou lenço cobrindo a cabeça a mulher que quer. Eu disse caso queira. Não é obrigatório, exceto, claro, dentro das Mesquitas. Mas parece ser mais por uma questão de respeito religioso do que de submissão sexual pela exposição da pele.

Mas algo no relacionamento homem/mulher é distinto na Turquia do que, por exemplo, no Brasil ou Londres ou New York ou Paris.

Por exemplo, se uma mulher caminhar em frente a uma construção civil, os homens que estariam a trabalhar olhariam para esta mulher, assobiariam ou até mesmo profeririam palavras de conotação sexual. Usei sim um exemplo macroscópico e barato, mas não sinto que isso aconteceria na Turquia. 

A religião muçulmana seria a responsável pelo homem (seja turco ou seja árabe) abordar a mulher de modo mais distante. Respeitoso, sim. Mas mais do que isso. Uma conexão em que a conquista é o objetivo. E não a vagina. Não é romantismo. É um olhar de descoberta. Descoberta da mulher, do cabelo, do tom de pele, do formato da boca, do jeito de articular os lábios para falar, dos seios e assim por diante até chegar na vagina.
 
E dessa maneira a mulher passa a ser um tesouro. Evidente, que tal tesouro possa ser de bronze. Ser de menor valor. Mas num primeiro momento, há algo de sagrado a sondar a fêmea turca.

O homem, por sua vez, ao ver essa mulher de forma mais labiríntica também ganha atributos de cavaleiro. E assim, passa a ser um homem de grande valor como Homem.

Aqui não há culto ao corpo. Eles notam um corpo mais em forma e expõem essa observação com o olhar. E podem perguntar em seguida: "Where are you from?"
"Brazil"... E aí pausa para o sorriso turco e a interjeição urbana: "Ahh, RIOOO". Seria, talvez, o Rio de Janeiro uma Meca sexual??? Uma cidade de libertação dos desejos sexuais??? Está aí outro ponto do por quê a mulher é tratada de forma menos comercial, de barganha. Mas esse pensamento, talvez, seja ocidental demais. E pode ser uma contradição á teoria acima. Claro, que há o desejo do sexo pelo sexo apenas. Mas na Turquia, há muitas camadas de tecido sobre este desejo do que, por exemplo, no Brasil em que à vontade está nua, crua e deturpada. 

Aqui, alguns turcos homens andam um com o braço sobre o ombro do outro ou com os antebraços entrelaçados. Não andam de mãos dadas. E não são gays por isso. Pode ser estranho para algumas pessoas. Não pra mim, que não me choco tão facilmente. A última vez que me choquei com algo foi ao ver uma mulher de meia idade a parar no meio da calçada no centro de São Paulo à noite, abaixar a calça e calcinha e defecar. Sim, em público e com pessoas próximas. 

Por escrever, em inglês, sim eles "falam inglês". Claro, nos lugares mais turísticos. Mas é um inglês carregado de sotaque pesado.  Muitas vezes incompreensível. E se você não entender ou pedir pra repetirem muitos turcos se irritam. 

As roupas: a do Homem nada de especial. Com exceção de algumas peças culturais, como um chapeuzinho o qual esqueci o nome (rs). Ternos, camisas, camisetas, sapatos ou tênis. Não é Nike e outros similares. Aqui tênis nenhum condiz com a realidade social como é no Brasil. Humm, Nike com amortecedores!!! Uauuuuu... Na verdade, essa afirmação seria restrita ao Brasil em que o tênis é um acessório de desejo para obtenção de um status torto.

Mulher: Não, não há microsaia, tomara-que-caia e decotes voluptuosos. Vestidos, calça jeans, sapatos, tênis, burca ou  lenços cobrindo a cabeça. Capricham na maquiagem dos olhos (sempre em tons escuros) e nas bolsas.

Mulher com burca somente com os olhos expostos a movimentar o olhar enegrecido pela maquiagem: é intrigante. Que mulher se encontra embaixo daquele tecido???

Istambul é o paraíso dos souvenirs. E os mais característicos são os tapetes, couros e artesanatos, como taças, lustres, azulejos, abajures, pratos e outros. É o reino de Iznik. Cidade que vendeu os famosos azulejos que ajudaram a embelezar as Mesquitas da cidade.

Mesquitas há várias. Muitas pequenas espalhadas por toda cidade. No entanto, são as gigantescas que exportam a imagem turística da cidade como, a Mesquita Azul, com seus seis minaretes. Dentro das mesquitas é proibido usar bermuda e as mulheres têm que cobrir a cabeça e as braços e não se pode andar com calçado, apenas descalços ou com meias.  Somente os guardinhas podem usar um chinelo especial. A entrada dos visitantes é diferente dos que vão para rezar. E de tempo em horas com as rezas de maior movimento as mesquitas permanecem fechadas para os turistas. Saiu de dentro da Mesquita?? Há um local para lavagem dos pés chamado de ritual das abluções. Os mais devotos lavam a cabeça e as mãos também.

Basílica de Santa Sofia hoje é museu, porém foi a maior Mesquita da cidade. Tem mais de 1400 anos. Mas como é museu agora: grandes filas, no entanto, com o fluxo rápido. Foi lá que experimentei o suco de Romã espremido na hora. Você pode misturar com laranja. Gente, é suco de Romã, nada de especial. Recomendo quem estiver com afta na boca não tomar o suco, por questões óbvias. Que eu ignorei, claro...

Há o Grande Bazar: labirinto com centenas de lojinhas fundado em 1453. É caro, bem caro mas tem que pechinchar. Eu queria porque queria uma caixinha feita com osso de camelo e pintado à mão. Num primeiro momento achei por 160 liras turcas. Numa outra loja, por 130 liras. Fechamos por 60 liras após eu pechinchar muito. Eles sempre jogam o preço nas alturas. 

Embora o Grande Bazar seja imperdível o mais interessante é fora dele com o Bazar dos livros. Mas aqui não adianta pechinchar.

Palácio TopKapi: contruído pelo Sultão Mehmet segundo para ser sua residência. Aqui sim grandes filas e com algumas entradas muito lentas. Mas, talvez, devido ao feriado no dia anterior justifique o grande número de turistas. As salas das armas e tudo relacionado é excepcional. Interessante para ver as armaduras, escudos, espadas, facas e espingardas. 

A sala dos relógios: Apenas com um relógio de mesa otomano daria pra eu comprar uma ótima cobertura...  E não pode tirar fotos nestas salas. Eu tirei duas até descobrir que era proibido. Sei lá, não compreendo muito essa proibição. É para valorizar as relíquias?? Quer vê-las vá até Istambul?? Não tire fotos para não divulgá-las pois algum país pode exigir a peça de volta?? Afinal, a maior parte deste acervo é formada de relógios europeus comprados ou recebido de presente pelos sultões. Não sei, ainda mais hoje em que se sabe tudo o que se está exposto nos museus...Bom, é apenas uma contestação: queremos tirar fotos de tudoooo!!!

Há ainda a Sala das cerâmicas, cristais e prataria. Há o Harém, em que era a residência das mulheres que ficavam sob guarda de escravos. Somente o sultão e seus filhos tinham acesso ao harém. Aqui a atração é pago à parte. 

A comida: bom, no café da manhã há ovo mexido, salsicha picada, pepino, tomate, mel, geléias, pães de diversos tipos, suco laranja, água quente, café forte e frutas da época. Nos restaurantes, nada de especial. Basicamente, pratos muito apimentados e muitos deles com muita gordura. Não arrisquei tanto. Os doces, sinceramente não gostei. A maioria leva junto em sua constituição pistache, sementes de girassol e abóbora, amêndoas, ameixa e similares de outras frutas secas, como damasco. Os chás são gostosos, há o de maça e o de tília. Já o ayran (iogurte, água e sal) tido como bebida refrescante é péssimo (ecat). 

A cidade é de muito fácil locomoção. O serviço público de transporte de metrô e trens são eficientes. Não é uma cidade perigosa, ao menos nos centros turísticos.

Bom, há muito mais. Tá parecendo um guia isso. Agora Milão e Veneza e o já encontro com o mal humor e péssimo atendimento dos italianos. A começar com a aeromoça. 

Deve ter uma razão bem óbvia pra isso...Bom, como sempre tento não me direcionar pra esse pensamento mas acabo nele. Mal humor é formado por um tripé, que vem à tona quando se desequilibra. As vertentes deste tripé são: sexo, dinheiro e prisão.

Viver preso num conto de fadas chamado Veneza vendendo biscoitos venezianos pode inundar qualquer bom humor.

Ciao...

sábado, 27 de outubro de 2012

IstamBOOM

Primeiro dia completo em Istambul. Tentei ir ao Grand Bazar hoje, mas estava fechado. Não sei ao certo se estava ou pelo fim de semana ou se é feriado hoje aqui. Mas as lojas ao redor do Grand Bazar estavam abertas. E o segredo é pechinchar. Você sempre reduz o valor.

As lojas de couros são umas maravilhas. Sapatos, mochilas, jaquetas, carteiras. Acabei comprando uma carteira de uma loja aberta desde 1855. Mas sai correndo de lá pra não estourar o cartão logo no primeiro dia. Tentarei postar foto.


Hoje de manhã fui a um mercado comprar shampoo. Aqui os mercados são bem pequenos e há poucos. No caixa ,ao pagar, o atendente não me entregou o recibo. Pedi por ele. Nada. Insisti. Ai sim me entregou mas gesticulou. Ao conferir percebi que o troco estava errado. Voltei lá e disse sobre isso. Ele tentou me enrolar, ficou irritado. Mas me devolveu o restante. Não gostei. Me senti enganado. Pelo  menos, uma tentativa frustrada da parte dele.

Uma segunda irritação veio na escolha do restaurante pra almoçar. Não gostei da mesa oferecida pra mim. Tentei negociar outra, mas o garçom não gostou, irritou-se e jogou o menu sobre a mesa de forma hostil. Levantei e fui embora. Mas, claro, falei um palavrãozinho em português e sai hahaha

Os vendedores são muitas vezes inconvenientes. Querem vender a todo momento. Tem que ignorá-los.

Ainda não experimentei os doces. São muitos. Tô evitando.

Bom, é isso. Amanhã conhecerei as Mesquitas e os palácios. Ainda não tive coragem de realizar um banho turco. Quem sabe. Acho meio, sei lá, estranho.

Até...



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

SabaaH al-khayr

DIA 1: Café da manhã turco: cereais, frutas locais (uva, kiwii em pedaço - se quiser você descasca e ameixa), água x, água y, água quente
Frios: queijo gorgonzola (oi??), queijos que pareciam mussarela, salame fatiado (WHAT????) e outros
Paēs: normal, pão em forma de bolinha, pão com muita pimenta no topo (eu, claro, fui cheirar feito cão pra saber o que era e fiquei espirrando uns 5 minutos pra alegria dos turcos)
Curiosidades: batata em pedaços quente, salsicha também quente
Suco de laranja, café, outras bebidas identificáveis e doces locais (mas não experimentei)

Bom dia

IstamCOOL

DIA 0: Chegada à Istambul (Turquia)

Cheguei às 17h ao aeroporto de Ataturk. Este é bem moderno e deveria ser uma referência de aprendizado ao que poderiam se tornar os aeroportos brasileiros. Há saída de metrô diretamente pelo metrô com interligação a uma linha de trem. Bom, eles chamam de trem, mas na verdade são linhas de metrô que substituíram os bondes do passado. Dá um charme todo especial a cidade. Não vi ônibus. Ao que parece esses bondes/ metrô seriam o transporte público da cidade. Nota dez. São limpos, espaçosos e as paradas são próximas umas às outras.

Vi e vivenciei muito pouco da cidade. Mas já senti uma verve cultural distinta da minha. Não, a maioria das mulheres não usam burca. Existem, mas não são maioria. E a linguá turca é difícil tentar entender. Desisti já.

Os homens se cumprimentam com abraços e beijos no rosto e alguns andam de mãos dadas ou mão sobre o ombro do amigo. Não, não são gays. São bem peludos isso sim. Pra quem curte pêlos em homem o Oriente deveria ser a sua Mesquita sexual.

Há muitos turistas, porém a maioria são dos próximos países árabes vizinhos. Mas, claro, há brasileiros em todo lugar e aqui não seria diferente.

Há muitas ruelas repletas de restaurantes charmosos o que dá a impressão de estar caminhando pelas ruelas de Roma.

Até o momento, o turco parece ser receptível mas vale o clichê: são turcos quando se trata de seus pertences. Tem que negociar e eles sempre tentarão levar vantagem. Até pra dar informação eles "brincam" que irão cobrar. À propósito, falam pouco o inglês e o pouco que falam é de difícil entendimento. Ao menos, foi o que percebi até então.

Os alimentos são baratos. Mas isso deixarei pra outro post. Já os produtos.... O pouco que vi deu vontade de levar todos os tapetes, luminárias, pratos etc. Mas há muita pirataria. É preciso ter cuidado.

Amanhã pretendo acordar cedo e ver a cidade de dia e caminhar, caminhar e caminhar. Fico hoje por aqui com a seguinte frase de Juca do conto Vestida de Preto de Mário de Andrade: Às vezes meio tonto com estes acontecimentos, acompanhados meio de longe, eu me recordava do passado, mas era só pra sorrir da nossa infantilidade...

Bom, só desce ao fundo do poço àquele que gosta de lama.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

O BEIJO DA PUTA


Diálogo na fila do cinema:

De repente, alguém me aborda: - "Rapaz, quanto tempo!!!???"
- "Oi, tudo bem, realmente muito tempo, como você está??"
- "Estou bem, mas você no cinema sozinho??? Como se sente???"
- "Sinto que irei pegar o melhor assento!!!" (risadas)
- "Nossa, eu jamais conseguiria vir ao cinema sozinho"
- "Sério????? Mas por que não??"
- "Acho muito solitário, você não se sente sozinho??"
- "Não......é apenas um cinema"
- "Ah, vai dizer que você não fica um pouco com vergonha em ser visto sozinho aqui???"
- "???....Como assim"???
- "Ah, sei lá passa uma imagem ruim... Um segundo, vou ajudar minha namorada com a pipoca"


....




Bom, neste momento a única coisa que desejei é que liberassem a sala do filme pra que eu pudesse entrar. E, claro, muito curioso pra ver a tal namorada.

Eu era, pelo meu campo visual, o único avulso na fila do cinema. A maioria estava com amigos, casais ou familiares.


Após o filme, esta fulgaz conversa veio à tona. 




Passamos grande parte da adolescência a tentar fazer parte de uma mesma receita social para sermos aceito. Tentamos ser os mais agradáveis e inteligentes. Anulamos muitas vezes o que realmente pensamos. Tentamos estar sempre bem espiritualmente e atingir a aparência física tida como bela. E, de repente, descubro numa fila de cinema, que tudo que passamos décadas tentando aprimorar é exatamente o que nos afasta das pessoas. Ou seja, deveríamos então trabalhar o oposto???? 

A passagem do feto para a vida adulta é uma sucessão de gozos. Funcionamos como uma aprendiz de puta. Tentamos aparentar estarmos gozando de felicidade o tempo todo sem ao menos estar nos deliciando de prazer. São os gozos adolescentes com culpa para a inclusão social. 

Mas ao ingressarmos na vida adulta o gozo de uma puta se torna sua própria redenção. E para se apoderar da chave do cadeado e ter o controle das rédeas basta saber quem somos. 

E, de repente, a auto imagem que vão construindo de nós é pautada na distância desfocada conferida a nós a partir do momento que nos afastamos da encenação social. E não vejo motivo algum tentar destruir esta imagem embutida pelo outro. Pois o imaginário é o que alimenta a mente da maioria doutrinada em conceitos aéticos religiosos. E, nesse sentido, o gozo do contratante social é a satisfação da imaginação dele e não a sua.  E ao perceber isso se tem a máxima do conflito,  pois "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". E assim, o obsceno deixa de ser o gozo e passa a ser a sua privacidade.





Penso quando foi o momento em que expus hoje a parte do qual mais interditamos (a privacidade). Ora, ir ao cinema sozinho, sem ter pensado nisso, é uma maneira de expor a nudez. Não me importo em ser visto sozinho numa fila de cinema ao redor de pessoas agrupadas.

É preciso repetir uma ressalva: o gozo deve ser cordial e sem culpa. O que é difícil para a maioria é construir a imagem de alguém sem estar baseada em algum afeto. E para uma puta não é preciso ter afeto para se construir imagens. Eu, de certa forma, adotei para minha luta a icnoclastia. Até um dia em que uma querida pessoa, que não vejo há anos me dizer em palavras o que eu já desconfiava em pensamentos sombrios: "Você é polêmico!!!" Claro, pensei. Não é por um acaso que me identifico tanto com Gregório de Matos e Raul Pompéia.
 
Bom, pra mim seria de uma violência insuportável afugentar um desejo meu, que no caso hoje seria ir ao cinema, mesmo que sozinho.

O que jamais devemos permitir em sociedade é o estupro de nossa ética. E não se importar com o que está ao redor. Pois na maioria das vezes, ao redor está a arrogância baseada em dogmas católicos. Mas disso eu não sofro, afinal sou uma puta com as rédeas afincadas na sua imaginação.





quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O GOZO



Seja qual for a hierarquia que é controlada por outrém, uma aresta social se desmantela quando alteramos a realidade em que nos aprisionamos. É o sinal de que o grotesco pode deixar de ser estético e se redirecionar para a nossa ética.

Por exemplo, a magreza prega a hierarquia da beleza. Mas qual é a hierarquia que respeita a nossa ética??? O desconhecimento de algo novo e a corrupção de ego que nos infiltramos no dia a dia são os grandes responsáveis pelo afundamento de nossa ética. Se formos coniventes e não reivindicarmos a nossa compreensão manipularemos nosso próprio fantoche.

Alguns dias atrás ouvi de alguém como é vitorioso aquele que permanece com sua ética íntegra independente do bombardeio social que confere a nós adjetivos estranhamente desmoralizantes.



Se continuarmos a cometer micro-suicidios em virtude de um conforto torto alteraremos toda a anatomia de nossa ética. Saltar para a escuridão tende a ser uma consequencia absurda, quando na verdade a finalização sinaliza a reconstrução de nosso ego e é quando experimentamos a transgressão. E o medo é árduo pois a ação é solitária.

O único álibi que devemos levar conosco é a certeza que a moralidade ética é e deve ser a única questão que deve sugar nossa energia em caráter de consideração na construção de uma anatomia mental sólida e não corruptiva. O restante é banal.

Neste momento o leite não ferveu. O leite azedou mesmo. E este traço olfatório é a eterna repetição que vivemos num ciclo em que é preciso esvaziar a linguagem contaminada e minarmos de objetivos. Caso contrário a nossa sinopse passa a ser repetitiva e o menino jamais de se tornará um homem.

Passivo é aquele que vive a jogar o bumerangue e se enaltece de prazer quando o mesmo retorna ao ponto oriundo.

Decido, portanto, lançar ao léu o meu bumerangue. Permaneço, no entanto, na expectativa de que o retorno do mesmo não me moralize um gauche...