segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A LUTA DOS CISNES


Assisti no último fim de semana a dois filmes: "Cisne Negro" com Natalie Portman no papel principal. E "O vencedor" com Christian Bale (que já interpretou Batman). Ambos atores são indicados ao Oscar de 2011. Aquela como melhor atriz e este como melhor ator. Ambos mutilaram-se através de transformações físicas para interpretar as personagens. E, segundo disse Isabela Boscov sobre a personagem de Natalie, ela vive um íncubo. Ela vive um íncubo. Ele vive uma espécie de súcubo.


Íncubo é um demônio na forma masculina que se encontra com mulheres dormindo, a fim de ter uma relação sexual com elas. Súcubo é a versão feminina desse demônio. Tanto um quanto outro personagem têm seu demônio.


Nina tenta alcançar a perfeição. É frágil, dócil, mas também é ambiciosa. Para tentar viver seu desejo, que é interpretar no teatro-balé tanto o cisne branco como o cisne negro, precisa encontrar o seu lado demônio. E o filme aglutina demonização com erotismo. Ou seja, prega que a forma de encontrar e explorar a ambição é através do conhecimento sexual do próprio corpo. É o poder de seduzir o outro. Detém-se do auto-controle social aquele que conhece e usufrui da sedução. Sexo é poder (é clichê). Mas um demônio sexy é mais interessante do que uma ursinho de pelúcia frágil, o qual é a base em que a personagem de Natalie é construida.


Nina encontra os seus fantasmas. E para isso é capaz até de matar. De "puxar o tapete". De enfrentar a mãe extremamente possessiva. Aliás, a mãe demoníaca de Nina é primordial para que ela encontre a perfeição no balé. É a tortura. O terror é capaz de promover a vitória. Mas Nina tem uma base psicológica doentil. E para isso a sua auto-flagelação ao casar com a ambição é o mote para que ela se auto destrua.


Íncrível que ainda hoje para ser o melhor é preciso atingir o ápice. E triste, que em seguida há algo deletério, como a morte. Para se fazer algo bom é preciso pagar um grande preço. É essa cultura que permanece, infelizmente. E o transtorno de personalidade embutido em Nina é uma esquizofrenia e persecutoriedade.


O filme é instigante. A transformação do anjo em demônio é, com certeza, a melhor parte do filme. Mas o que tudo importa é atingir o pico. Não importa como. Mesmo que se coloque a própria vida como troca. É ai que mora a patologia. Ser saudável é saber de suas limitações. E respeitar o próprio corpo.


Natalie Portman merece o Oscar de melhor atriz. Nina, a personagem, merece um hospital psiquiátrico.

Já em "O vencedor" Dicky personagem de Christian Bale também vive sua demonização, mas através do crack. É viciado e de fácil socialização. Adorado pelos familiares e amigos do bairro. Mas sua auto mutilação é mais repugnante. A aparência é estranha.


Impressionante como um usuário de drogas, feito o crack, pode ser levado à glória e ficar em abstinência de condenação social. Hollywood faz isso. Como o personagem e sua família obtiveram sucesso e dinheiro, a condenação pelo tráfico e uso de drogas permanece em segundo plano. E ele passa a ser julgado apenas pela ambição de tornar o irmão um vitorioso lutador de boxe. Esquece-se que ele deveria ser condenado pelo uso de drogas ilícitas. Ele até mantém um antro social de uso da droga. É um mini hospital psiquiátrico no bairro em que vive.


A cena mais bonita do filme é quando após Dicky fazer uso de crack e se jogar da janela da casa nos sacos de lixo no térreo, ele entra no carro, em que está sua mãe, chateada com a situação e ambos começam a cantar. E prosseguem a viagem no carro assim. Belo.

O demônio de Dicky tem sim um caráter sexual. E mora nele um demônio cujo nuance é homossexual. Amor pelo irmão. Não me parece que ele quer se sentir um vencedor na pele do irmão, ao contrário da mãe de Nina, que tenta destruir a filha para que ela não se torne uma vitoriosa e isso lhe cause a dor maternal da inveja. A dor da disputa entre mãe e filha. O incômodo do antigo ao assistir o novo ao encontro das oportunidades.  

Mas Dicky é frágil psicologicamente. Há também um transtorno de personalidade. A necessidade de neurotransmissores exógenos para prosseguir com a vida.


Christian Bale não merece o Oscar de melhor ator, embora fez um bom trabalho. E no fim do filme o verdadeiro Dicky aparece numa curta cena. Não obstante não possuirem a mesma aparência, possuem os mesmos trejeitos. Ou seja, Christian captou o verdadeiro Dicky pelos trejeitos. Reproduziu-o no cinema. Desconfio de interpretações assim. Afora isso, há o emagrecimento excessivo. E as pessoas gostam de ver isso. Faz confundir. Creditam o trabalho dessa maneira.


Já Dicky o personagem, merece uma repreensão. Não é, entendam, socialmente destrutivo. Ao contrário de Nina, Dicky não merece um hospital psquiátrico. Ele merece a família dele. Apenas isso. Pois ele sabe de suas limitações. Aceita isso. Aceita que para viver precisa fazer uso de drogas. E é mais carismático. Sexualmente bem resolvido. A família o condena sim pelo uso de drogas, mas o aceita. Ao contrário da mãe de Nina, que tenta a manter perto para destrui-la. Já a salvação de Dicky são os familiares.

Não são os melhores filmes que Hollywood já fez. Para mim, o melhor continua sendo "A precisosa". Tenso, verdadeiro. Belo.


Mas estes dois filmes valem o ingresso. Seja inteira, seja meia entrada. É exatamente assim que os personagens vivem. Para serem inteiros, se partem no meio. E confundem a si mesmos.