terça-feira, 22 de março de 2011

ROSELI


O título deste post se refere à funcionária da lanchonete da academia da qual frequento. Ela é a única funcionária e trabalha lá desde a abertura da academia. Roseli exerce sua função de segunda a sexta das 7h00 às 22h00. E aos sábados das 8h00 ao meio dia. Durante a semana ela tem 4 horas para o almoço. É quando ela retorna para sua humilde casa para se alimentar, limpar o casebre, servir o almoço para o filho e levá-lo para a escola.



Roseli é negra, de pele lisa e sem manchas, deve medir uns 1.60m e pesar uns 65kg. Roseli não usa óculos e durante o trabalho prende o cabelo por meio de um lenço. "Mas eu tenho cabelão", segundo a própria.


Ela mora num bairro pobre em Santos próximo ao centro antigo. Na verdade vive num sobrado,  acima da residência de sua mãe. É pequeno, simplório, contém poucos cômodos e não é casa própria. Paga aluguel. É casada e tem uma moto bis, a qual deixou um dia no estacionamento da academia e tentaram roubá-la numa madrugada qualquer. Não conseguiram.

No trabalho Roseli faz de tudo um pouco: atende os clientes, serve os salgados, açai, sucos e cafés. Prepara os lanches e os capuccinos. Recebe os pagamentos. Anota tudo o que se consome num caderninho daqui outro dali. É atenta ao que falta na lanchonete e avisa a patroa. E limpa a lanchonete todo dia e a toda hora: - "Eu prezo pelos clientes, tento deixar limpo o tempo todo" - palavras dela.

A grande estima de Roseli se manifesta também em sua simpatia com os clientes-amigos. Sempre sorridente, porém tem personalidade forte. Não bajula ninguém. Tem as rédeas de sua própria ética. É doce na medida certa. É sincera sem ser mal educada. É justa e honesta. E fala besteira. Suaves besteiras. Nada escatológico. Mas fala.

"Sabe aquela ali: consome sempre aqui na lanchonete com os filhos pequenos. Pede para pendurar na conta, mas até hoje nunca pagou. Da próxima vez vou lembrá-la da conta a pagar". Simples assim. Direta assim. E ainda completa: "Você é o único VIP aqui Vini. A Renata (proprietária) quem disse". Um lisonjeio gratuito. 

"Mas e ai Rô? Aos sábados você descansa né?" - pergunto. E ela: "Não, depois que deixo a lanchonete vou direto ao mutirão ajudar a construir minha casa". "Como assim???", pergunto.



Roseli faz parte de um grupo de pessoas que pagam uma certa quantia mensal para construir ao longo dos anos uma casa num terreno vazio cedido pela prefeitura no centro de Santos. Diz ela que não pode faltar durante a obra aos sábados se não perde o direito de fomentar o próprio lar. Ou melhor, pode-se faltar apenas 3 vezes. Diz ela: "Tem uma moça lá que falta muito, mas eu tenho medo, todo sábado estou lá para ajudar a construir minha casinha. Tenho medo de faltar e perder ela."

E para nós que já estaríamos insuportavelmente cansados, aos domingos, ela acorda cedo e retorna ao centro de Santos para vender quinquilharias. É um espaço perto do porto, em que ela e centenas de pessoas ficam espalhadas pela rua mesmo. Instalam-se tendas ou estende-se lençóis no chão para se vender roupas velhas, objetos ou eletrônicos quebrados. "Vini, se você tiver coisas velhas que não usa mais e puder me dar!!". Prometo te entregar Rô. Quem tiver e quiser ceder seus pertences abandonados será de uma grande valia.

Roseli vive com pouco dinheiro. Mas vive com muitos afazeres. Nunca a ouvi reclamar da falta de tempo ou por trabalhar bastante todos os dias. E no fim de semana do carnaval ainda emendou: "Vou ainda na segunda à noite ver a minha escola de samba na avenida". E esboçou um simples samba no chão da lanchonete.


Roseli é simples. Mas estranhamente também é complexa. Não é de fácil julgamento ou interpretação. Não é simples entender uma mulher negra que trabalha 15 horas durante 5 dias, mais aos sábados, que constrói sua própria casa e tenta vender o que nós descartamos, cuida da família e ainda arruma tempo para correr de vez em quando na areia fofa da praia. E não teve oportunidades de estudo. Não é fácil interpretar àquela que sempre doa de graça um sorriso. Roseli é uma das pessoas a que mais dificuldade tenho para interpretar. E tento não fazer mais isso. Por que da última vez que tentei me senti muito pequeno.

Senti-me muito pequeno porque temos muito. E reclamamos muito. E doamos pouquíssimos sorrisos. Ou o pior: sempre tentamos achar justificativas para explicar a nossa preguiça.

Roseli, minha querida. No desfile da avenida, com certeza eu cantaria um samba-enredo com o seu nome.

domingo, 20 de março de 2011

TRIP TO YOUR HEART


Aos vinte e poucos anos ganhei meu primeiro urso de pelúcia. Ao menos pelo que me lembre em minha já velha memória retorcida. O urso foi entregue por uma querida Renata, proprietária da lanchonete da academia a qual frequento. Renata foi à Disney World com seus familiares. Quarta feira última ao passar na lanchonete para o suco de laranja e café rotineiros preparados pela também adorável Roseli, fui surpreendido por uma sacola com o castelo da cinderela estampado. Era o meu primeiro urso de presente aos vinte e poucos anos de idade. O urso em questão era o Mickey Mouse.



Nunca fui à Disney. Mas por uns instantes nem seria preciso, pensei. Com mais esse gesto de carinho dessas duas mulheres me senti vangloriosamente em estado de magia. E ainda há resquícios dessa magia até o momento, principalmente quando olho para o boneco que se encontra sentado na poltrona da sala de televisão.


O carinho puro realmente chega pelas vias mais inusitadas. É o único orgulho que mantenho vivo hoje em dia. Após uma profunda decepção nada como uma poção de mágica real.

Obrigado Rê.

Ps: prometo contar num próximo post a história da trabalhadora Roseli.
Ps 2: Aguardo para essa semana a visita de dois amigos que não vejo há muitoooo tempo: Rafa e Pamela. Muitas saudadessssss.

terça-feira, 15 de março de 2011

PONTO FINAL


Quem nunca pegou erroneamente um ônibus por causa de uma atenta desatenção?

O engraçado é o sexto sentido nos mostrar um nuance estranhamento no ar. O ônibus não era o certo ou a informação repassada foi a errada? Pergunto para uma transeunte quais os ônibus vão para o terminal. Eis uma enxurrada de números: o 3, 13, 33, 41, 51 e blábláblá. Ok, obrigado- disse. Chega o ônibus.

O caminho é irreconhecível, mas segundo disse minha informante ele irá para o meu destino. Porém restam eu e mais um rapaz dentro do veículo. Parada no próximo ponto. O menino desce. E o motorista diz: Ei, esse é o PONTO FINAL. Olho ao redor e não reconheço nada, exceto a escuridão do ambiente a qual me atrai, feito céu nublado ou trovões no final de um dia ensolarado. Eu pergunto: "Mas motorista, este ônibus não iria para o terminal?" Ele responde a minha já negada interrogativa: - "Sim, mas já passamos pelo terminal faz tempo". Sem saber o que argumentar, eu desço do ônibus catarticamente em direção a um bairro residencial escuro, estranho e solitário. A única pessoa na rua era eu. E detalhe: não fazia idéia aonde eu estava.


O que fazer agora? Esperar o próximo ônibus? Mas teria um próximo? Ligar para um táxi? Por instantes, eu permaneci parado, desligado e atônito.

De início após a descongelação veio o auto-flagelamento, feito um xiita em peregrinação. A raiva foi instantânea. A sensação de impotência foi o sentimento próximo. A conformação veio somente no dia seguinte. E com ele o aprendizado. Requiém da própria dúvida.


Bom, somos inteiramente responsáveis pelos ônibus errados que traçamos. Seja pela desatenção, seja por uma espécie de destino. Não o destino pré-inscrito na alma. Mas o destino circunstancial, não de algo cósmico ou espiritual que nos trata feito marionetes.

Ônibus errado. Caminho errado. Ou seria, caminho diferente? Todo caminho diferente é o errado? Ou o errado é apenas diferente?


Ao perceber o caminho distinto, notei que apesar de obscuro havia muitas passagens bonitas. Curvas, arquitetura vestindo a paisagem, vistas para o mar em angulações diferentes. Havia como é fácil de notar muito clichê neste caminho.

Temos embutidos em nossa veia social que time vencedor não se altera. Temos medo do diferente. Temos ojeriza até. E muitas vezes conhecemos o novo apenas quando erramos o caminho. Portanto, é preciso errar para conhecermos o outro lado da avenida?


Fui assistir Bruna surfistinha. De início me neguei a ver este filme. Medo do diferente? Talvez. Bruna fez algo não habitual. Ganhou dinheiro e fez fama nacional vendendo a vagina. Fez errado? É errado vender o corpo? Bom, isso seria assunto para um outro post. O filme não faz apologia à prostituição. O filme conta a história de uma menina que sofria bulliyng e resolveu sair da casa dos pais e do ambiente social em que vivia. E a alternativa encontrada para sobreviver foi através da prostituição. O filme é bom. Debora Secco fez refez e desfez muito bem o seu papel. E a Bruna está na telona, na sala de aula, no apartamento ao lado do nosso.


O aprendizado maior que temos que ter é a de que não temos que ambicionar sempre o destino que almejamos como forma de vitória.

Acredito que a maturidade suprema é aceitarmos os novos caminhos sem pestenejar. Sem culpa. Medo é o habitual. Aceitar a não chegada ao destino é opcional. Não se deve ter isso como obsessão. Pois se for nos tornamos reféns de nós mesmos. E assim, entramos num ciclo vicioso feito o centro de um tornado.

Bom, para quem se interessou pela história inicial. Nada como um ônibus após o outro, certo?. O resgate. A espera. Eis que chego no meu ponto final através de um caminho diferente. Mas prometi repensar sobre o que importa não é o destino, mas sim os novos caminhos que nos levam a lugares diferentes. Eis a relíquia do contexto.