quinta-feira, 28 de julho de 2011

MIMOSA PUDICA



Hoje falarei de Paulo Eduardo. Ele é um jovem funcionário do setor de limpezas do hospital. Serviço este que é terceirizado, logo não dá direito a cesta básica, nem a refeições no hospital. Paulo é o tipo de pessoa que passa despercebida por nós. São seres invisíveis. Eles estão ali, mas nós custamos visualizá-los. Eles limpam nossa sujeira, tiram o lixo que acumulamos e andam a maioria do tempo cabisbaixos. E se olhamos para eles e notamos sua presença, eles se fecham cada vez mais. Feito um nastismo humano. 


Hoje ele entrou no consultório trazido por uma colega (também faxineira) com queixa de formigamentos pelo corpo, náuseas e vômitos. Durante a consulta ele disse que não se alimentava há 3 dias. Mas eu perguntei: Mas nada? Nada, nada mesmo? Ele disse que, ás vezes, beliscava um pedaço de pão. "Mas arroz e feijão mesmo doutor, isso não!!!". Pronto, foi o suficiente para eu me calar.


Continuei.




Mas você mora com quem?? Ele disse que morava sozinho. Neste momento a colega de trabalho se manisfesta: "Ele ganha um salário mínimo doutor e duzentos reais ele dá para a filha pequena, pois é separado". Paulo permaneceu a maior parte da consulta de cabeça baixa, pois estava debilitado, pois estava envergonhado, porque se sente menos, porque nós fazemos ele se sentir menos.


Perguntei se ele usava entorpecentes. Ele não entendeu. "Você usa algum tipo de droga?" Ele disse que não e interrompeu. "Quer dizer, eu fumo né, cigarro é entorpecente doutor??". Eu disse que sim, que era entorpecente.  O por quê da pergunta? Pode ser, talvez, a manifestação do meu diabo interno. Pensei por um momento "Mas o que você faz com o seu salário?". "Será que ele gasta em coisas que não deveria?" "Será que usa drogas?"


Mais isso e aquilo e conduta feita. E Paulo deixa o consultório.


...


...


...


...


"Alô, Renata, tudo bem, aqui é o Vinícius"


...


...


...


Em menos de uma hora, Renata (a dona da lanchonete Ozzie da academia da qual frequento) estava na porta do meu consultório junto com seu marido com uma cesta básica. E ainda se ofereceu a pagar metade.




Peço para chamar Paulo e entrego sua cesta básica.




...


...


...


Não sou e não tenho vocação para ser Madre Teresa de Calcutá. Mas fiz o que achei que deveria fazer. Ou melhor, fizemos. Renata, seu marido e eu.


O problema dele não irá se resolver com uma cesta básica, eu sei disso. Mas é assim. Deve ser assim. Algum motivo deve ter. Não sei o que é ter fome. Não sei o que é não ter o que comer. Mas sei que posso ajudar. E hoje foi um dia em que o anjo venceu o diabo que habita em nós. Hoje pelo menos...




Ps: Um forte abraço ao Dr Valter. Prezo muito pelas palavras do senhor.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

SENTIDOS


Hoje eu vou falar um pouquinho de pessoas.


Márcia... ela deve ter trinta e poucos anos. Tem a pele morena, aparentemente macia, cabelos pretos e ondulados. É alta e magra e com os músculos definidos. Márcia foi uma assídua frequentadora da academia. Ia de manhã e retornava às tardes. E de vez em quando a encontrava a andar de bicicleta pela orla ou a passear com o cachorrinho pelas ruas do bairro. Sempre de roupa preta e sorrisos brancos. Márcia tem uma tom de voz que mescla o suave e obtuso. Ela permaneceu, segundo a mesma, três meses sem ir a academia. Mas retorna agora. O que me chama atenção nela: A espantosa realidade das cousas. É a minha descoberta de todos os dias. Cada cousa é o que é  e é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra e quanto isso me basta (Caeiro). 




Hoje a caminho de casa pensei na família Simpsons. Pensei e relembrei alguns personagens que frequentam a cidade Springfield. Há 10 meses eu coleciono miniaturas dos personagens do desenho animado. Tenho vários já. Todos em minha estante na sala de televisão. Hoje eu reparei neles ao entrar no apartamento. Neste momento vem-me uma vaga saudade e um desejo infantil de retornar a infância. Porém, mais íntegro seria se pudesse retornar a infância como adulto. Mas isto destoaria da realidade. Não que retornar a infância fosse algo real, mas se pudesse...No entanto, mais íntegro seria se pudesse reunir todas as pessoas que descubro todos os dias por algum motivo em particular. Pessoas que conheço e as que não conheço mas reencontro na academia, no trabalho, no cinema, no café...


Na felicidade ou infelicidade, sentir é o que basta. E neste momento ou nas memórias a seguir eu materializo todas as pessoas que conheço e as que eu não conheço. Minimizo estas pessoas, como Márcia, e as coloco todas em minha estante. Neste instante, me sinto menos só...


Quem me dera que eu pudesse fazer isso. Quem me dera...Mas eu posso, não é? Posso?

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O BEIJO DO VAMPIRO



Por que algumas pessoas que nem sabemos o nome nos irritam?  Pior ainda quando conseguem atiçar nosso instinto animal num ambiente em que, teoricamente, ninguém deveria estar estressado. E este lugar seria a academia.


Há uma pessoa que me destoa do bom senso a algum tempo. Esta pessoa é uma mulher, tem uns 57 anos e frequenta a academia todos os dias. Ela é loira, cabelos compridos e lisos. Dá para perceber que cuida da saúde, embora tenha sinais visíveis do envelhecimento. 


Até aqui ok, certo? Sim. Acontece que ela se acha a dona do ambiente. Por exemplo: você está a exercitar-se num aparelho e, de repente, uma pessoa chega e ocupa o seu lugar, sem ao menos perguntar se você estava a usar e ainda faz cara de deboche. Mas hoje ela foi além, eu estava a me exercitar, com fone de música nos ouvidos e percebi ela se aproximar. Eu estava de cabeça baixa, a realizar o movimento do exercício e percebi através do campo visual que ela perguntara algo. Eu terminei o movimento, apertei o pause do aparelho de música e olhei em direção ao seu rosto. Ela perguntou quantas séries faltavam para eu terminar o exercício. Faltava uma, mas eu disse que faltavam três. Em seguida ela comentou algo com um personal que estava ao seu lado, resmungou e saiu. 


Eu sai correndo atrás dela, puxei o cabelo loiro, derrubei-a no chão e pisotiei a cara dela. 


Mentira. Mas deu vontade.



Realmente, envelhecer pode não nos tornar mais inteligentes. O que vai contra a pesquisa que saiu semana passada, a qual afirma que os idosos são mais inteligentes que os jovens, pois o cérebro evolui no aspecto sabedoria conforme os anos passam. Bom, para a maioria pelo menos.


Esta mulher é uma pessoa difícil. Do tipo que nunca sorri. Inconveniente. E que chega nos locais a mastigar um chiclete e balançando os cabelos. Mas eu só lamento.


É impressionante como algumas pessoas se tornam atraentes a partir do momento que proferem idéias. No entanto, algumas são atraentes porque são mudas. Tornam-se enigmáticas, interessantes. Porém ao dizerem algo deixam de ser interessantes e a magia se quebra.


Mas isto é uma outra idéia de um outro post. 



Olho para a janela da sala de minha casa a qual dá para a rua. Esta época do ano as árvores recebem a visita de um animalzinho atípico. Morcegos. Isso mesmo. Um bando de morcegos. E eles não param quietos nas árvores. Voam o tempo todo entre uma árvore e outra.


Bom... entre morcegos, vampiros e loiras sanguessugas eu fico hoje com as anemias.