Diálogo na fila do cinema:
De repente, alguém me aborda: - "Rapaz, quanto tempo!!!???"
- "Oi, tudo bem, realmente muito tempo, como você está??"
- "Estou bem, mas você no cinema sozinho??? Como se sente???"
- "Sinto que irei pegar o melhor assento!!!" (risadas)
- "Nossa, eu jamais conseguiria vir ao cinema sozinho"
- "Sério????? Mas por que não??"
- "Acho muito solitário, você não se sente sozinho??"
- "Não......é apenas um cinema"
- "Ah, vai dizer que você não fica um pouco com vergonha em ser visto sozinho aqui???"
- "???....Como assim"???
- "Ah, sei lá passa uma imagem ruim... Um segundo, vou ajudar minha namorada com a pipoca"
....
Bom, neste momento a única coisa que desejei é que liberassem a sala do filme pra que eu pudesse entrar. E, claro, muito curioso pra ver a tal namorada.
Eu era, pelo meu campo visual, o único avulso na fila do cinema. A maioria estava com amigos, casais ou familiares.
Após o filme, esta fulgaz conversa veio à tona.
Passamos grande parte da adolescência a tentar fazer parte de uma mesma receita social para sermos aceito. Tentamos ser os mais agradáveis e inteligentes. Anulamos muitas vezes o que realmente pensamos. Tentamos estar sempre bem espiritualmente e atingir a aparência física tida como bela. E, de repente, descubro numa fila de cinema, que tudo que passamos décadas tentando aprimorar é exatamente o que nos afasta das pessoas. Ou seja, deveríamos então trabalhar o oposto????
A passagem do feto para a vida adulta é uma sucessão de gozos. Funcionamos como uma aprendiz de puta. Tentamos aparentar estarmos gozando de felicidade o tempo todo sem ao menos estar nos deliciando de prazer. São os gozos adolescentes com culpa para a inclusão social.
Mas ao ingressarmos na vida adulta o gozo de uma puta se torna sua própria redenção. E para se apoderar da chave do cadeado e ter o controle das rédeas basta saber quem somos.
E, de repente, a auto imagem que vão construindo de nós é pautada na distância desfocada conferida a nós a partir do momento que nos afastamos da encenação social. E não vejo motivo algum tentar destruir esta imagem embutida pelo outro. Pois o imaginário é o que alimenta a mente da maioria doutrinada em conceitos aéticos religiosos. E, nesse sentido, o gozo do contratante social é a satisfação da imaginação dele e não a sua. E ao perceber isso se tem a máxima do conflito, pois "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". E assim, o obsceno deixa de ser o gozo e passa a ser a sua privacidade.
Penso quando foi o momento em que expus hoje a parte do qual mais interditamos (a privacidade). Ora, ir ao cinema sozinho, sem ter pensado nisso, é uma maneira de expor a nudez. Não me importo em ser visto sozinho numa fila de cinema ao redor de pessoas agrupadas.
É preciso repetir uma ressalva: o gozo deve ser cordial e sem culpa. O que é difícil para a maioria é construir a imagem de alguém sem estar baseada em algum afeto. E para uma puta não é preciso ter afeto para se construir imagens. Eu, de certa forma, adotei para minha luta a icnoclastia. Até um dia em que uma querida pessoa, que não vejo há anos me dizer em palavras o que eu já desconfiava em pensamentos sombrios: "Você é polêmico!!!" Claro, pensei. Não é por um acaso que me identifico tanto com Gregório de Matos e Raul Pompéia.
Bom, pra mim seria de uma violência insuportável afugentar um desejo meu, que no caso hoje seria ir ao cinema, mesmo que sozinho.
O que jamais devemos permitir em sociedade é o estupro de nossa ética. E não se importar com o que está ao redor. Pois na maioria das vezes, ao redor está a arrogância baseada em dogmas católicos. Mas disso eu não sofro, afinal sou uma puta com as rédeas afincadas na sua imaginação.
Eu iria ao cinema contigo pelo prazer da companhia, mas nunca recebi um convite!
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