segunda-feira, 23 de julho de 2012

O BEIJO DA PUTA


Diálogo na fila do cinema:

De repente, alguém me aborda: - "Rapaz, quanto tempo!!!???"
- "Oi, tudo bem, realmente muito tempo, como você está??"
- "Estou bem, mas você no cinema sozinho??? Como se sente???"
- "Sinto que irei pegar o melhor assento!!!" (risadas)
- "Nossa, eu jamais conseguiria vir ao cinema sozinho"
- "Sério????? Mas por que não??"
- "Acho muito solitário, você não se sente sozinho??"
- "Não......é apenas um cinema"
- "Ah, vai dizer que você não fica um pouco com vergonha em ser visto sozinho aqui???"
- "???....Como assim"???
- "Ah, sei lá passa uma imagem ruim... Um segundo, vou ajudar minha namorada com a pipoca"


....




Bom, neste momento a única coisa que desejei é que liberassem a sala do filme pra que eu pudesse entrar. E, claro, muito curioso pra ver a tal namorada.

Eu era, pelo meu campo visual, o único avulso na fila do cinema. A maioria estava com amigos, casais ou familiares.


Após o filme, esta fulgaz conversa veio à tona. 




Passamos grande parte da adolescência a tentar fazer parte de uma mesma receita social para sermos aceito. Tentamos ser os mais agradáveis e inteligentes. Anulamos muitas vezes o que realmente pensamos. Tentamos estar sempre bem espiritualmente e atingir a aparência física tida como bela. E, de repente, descubro numa fila de cinema, que tudo que passamos décadas tentando aprimorar é exatamente o que nos afasta das pessoas. Ou seja, deveríamos então trabalhar o oposto???? 

A passagem do feto para a vida adulta é uma sucessão de gozos. Funcionamos como uma aprendiz de puta. Tentamos aparentar estarmos gozando de felicidade o tempo todo sem ao menos estar nos deliciando de prazer. São os gozos adolescentes com culpa para a inclusão social. 

Mas ao ingressarmos na vida adulta o gozo de uma puta se torna sua própria redenção. E para se apoderar da chave do cadeado e ter o controle das rédeas basta saber quem somos. 

E, de repente, a auto imagem que vão construindo de nós é pautada na distância desfocada conferida a nós a partir do momento que nos afastamos da encenação social. E não vejo motivo algum tentar destruir esta imagem embutida pelo outro. Pois o imaginário é o que alimenta a mente da maioria doutrinada em conceitos aéticos religiosos. E, nesse sentido, o gozo do contratante social é a satisfação da imaginação dele e não a sua.  E ao perceber isso se tem a máxima do conflito,  pois "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". E assim, o obsceno deixa de ser o gozo e passa a ser a sua privacidade.





Penso quando foi o momento em que expus hoje a parte do qual mais interditamos (a privacidade). Ora, ir ao cinema sozinho, sem ter pensado nisso, é uma maneira de expor a nudez. Não me importo em ser visto sozinho numa fila de cinema ao redor de pessoas agrupadas.

É preciso repetir uma ressalva: o gozo deve ser cordial e sem culpa. O que é difícil para a maioria é construir a imagem de alguém sem estar baseada em algum afeto. E para uma puta não é preciso ter afeto para se construir imagens. Eu, de certa forma, adotei para minha luta a icnoclastia. Até um dia em que uma querida pessoa, que não vejo há anos me dizer em palavras o que eu já desconfiava em pensamentos sombrios: "Você é polêmico!!!" Claro, pensei. Não é por um acaso que me identifico tanto com Gregório de Matos e Raul Pompéia.
 
Bom, pra mim seria de uma violência insuportável afugentar um desejo meu, que no caso hoje seria ir ao cinema, mesmo que sozinho.

O que jamais devemos permitir em sociedade é o estupro de nossa ética. E não se importar com o que está ao redor. Pois na maioria das vezes, ao redor está a arrogância baseada em dogmas católicos. Mas disso eu não sofro, afinal sou uma puta com as rédeas afincadas na sua imaginação.





Um comentário:

  1. Eu iria ao cinema contigo pelo prazer da companhia, mas nunca recebi um convite!

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